domingo, 24 de junho de 2018

Conto ; Bolinho caipira (“um relato peri- urbano de São João”)

Conto ; Bolinho caipira (“um relato peri- urbano de São João”)
Sábado, a fogueira consumia suas últimas brasas pela manhã encerrando que restou do arraiá da noite anterior, Josemiro acordou cedo, reclamou da noite mal dormida embalada pelos fogos de artifício, engoliu rapidamente o café, e caminhou até o ponto esperar o coletivo lotado, embarcou até o centro onde adentrou outro coletivo até seu destino, para mais um dia de jornada, iniciava seu dia de trabalho em um hipermercado da cidade de São José dos Campos Devastados. Era mês de Junho, o clima de arrasta-pé, se espalhava em toda a cidade, festas juninas pipocavam por todo lado em bairros, escolas... Afinal! Quem não gosta de festa junina! Comilança, quitutes, barraca do peixinho, da cadeia, barraca do beijo, e o astro da festa, o bolinho caipira, um salgado a base de água e farinha de milho , frito e recheado com carne, típico da culinária caipira, originário do Vale do Paraíba. Durante o mês de Junho Josemiro e o outros repositores  trabalhavam dobrado para repor o estoque nas gôndolas de farinha de milho à demanda das festas juninas , seria o mês da mesma pergunta repetitivamente : Moço onde fica a farinha de milho ? Após 6 horas exaustivas apenas apontavam para os pellets onde se empilhavam os fardos . Os repositores apostavam entre eles o tempo que duraria a pilha de fardos, muitas às vezes eram abordados enquanto faziam a reposição do produto , eles se divertiam ,brincavam sobre a possibilidade do apocalipse zumbi da farinha de milho, senhorzinhos senhoras, criança homens mulheres invadindo o hipermercado se digladiando gritando:" Milho” “Milho” “Brain “Brain”. Entre uma reposição e outra, Josemiro e seus amigo de trabalho tornavam o dia de labuta mais leve ,filosofando sobre questões da transgênia da Monsanto à troca do pacote estourado no chão, é o mês, a bola da vez, a farinha de milho . No mês de junho a farinha exerce na maioria das pessoas um poder viciante, um efeito lisérgico. Pode-se fazer o bolinho qualquer dia, mas são meses esperando Junho. É tradição! É dia de São João. Enquanto Josemiro organiza uma prateleira ao fundo do hipermercado , quando é abordado por um casal de idade avançada ,simpáticos e sorridentes, perguntam: Moço tem farinha de milho? Josemiro responde: Acabou, está em falta ,apontando a gondola vazia . Duvidando de sua sina ingrata o casal indaga novamente : Mas nem lá dentro ? Tem certeza? Tenho Senhora , esta em falta no estoque . Neste momento os sorrisos se fecham a simpatia some , Josemiro se tornou o maior facínora da face do planeta , estragou o dia em família , a festa da paroquia , o aniversário... Roubou a cereja do bolo , Apagou a vela antes dos parabéns, apenas com uma simples frase negativa escrita na placa da gondola do mercado . Estamos sem farinha de milho no estoque. Desculpe o transtorno ! A partir daquele momento tornou –se o inimigo da clientela que adentrava o mercado todo enfeitado de bandeirinhas , pior quando ouvia : Não encontrei em três mercados ! Todos o problemas da humanidade naquele momento se resumem na falta da farinha de milho, sem o bolinho caipira a vida no São João parece estar fadada a extinção . Josemiro bate o ponto e inicia sua jornada de retorno, refletindo mentalmente à paixão das pessoas de sua região pelo bolinho caipira e da situação vivida. Enquanto retorna para casa ,sentado ao banco duro do coletivo, aproveita para fazer a única leitura disponível, um jornal que trazia uma propaganda sobre um mega empreendimento público à ser construído em sua cidade, com intuito de melhorar a mobilidade Com uma olhar mais fundo, ele reconhece ,,a paixão pela iguaria caipira tomou formas arquitetônicas: - Porra mano! Essa merda de ponte parece um bolinho gigante, caro pra cacete, possivelmente recheada da carne moída de gente que espera saúde e educação melhor no município, enquanto a quadrilha dança feliz. O dia de labuta de Josemiro está chegando ao fim, adentra a localidade rural onde reside, as ruas próximas a paróquia estão enfeitadas com a bandeirolas para festa de São João, no ar a fragrância de vinho quente, quentão, fritura se mistura a de fumaça. Adentra a fila, no caixa pede uma ficha de quentão, dirige se a barraca ao pegar o quentão uma voz indaga: Moço é São João! Não vai bolinho não! ?
(Jm)

Inspirado nas falas de um amigo repositor